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grupos numericamente desiguais, o mais pequeno para o trabalho de campo, do
qual, verdade
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seja dita, já não se esperavam grandes resultados, o maior para prosseguir com o
interrogatório das quinhentas pessoas retidas, não detidas, note-se bem,
aumentando quando, como e quanto fosse necessário a pressão física e
psicológica a que já estavam submetidas. Como o ditado antigo andara séculos a
ensinar, Mais valem quinhentos pássaros na mão que quinhentos e um a voar. A
confirmação não tardou. Quando, depois de muita habilidade diplomática, de muito
rodear e muito tentear, o agente a trabalhar no campo, isto é, na cidade, lograva
fazer a primeira pergunta, Quer dizer-me, por favor, em quem votou, a resposta
que lhe davam, como um recado bem aprendido, era, palavra por palavra, o que
se encontrava expresso na lei, Ninguém pode ser, sob qualquer pretexto, obrigado
a revelar o seu voto nem ser perguntado sobre o mesmo por qualquer autoridade.
E quando, em tom de quem não dá demasiada importância ao assunto, fazia a
segunda pergunta, Desculpe esta minha curiosidade, por acaso não terá votado
em branco, a resposta que ouvia restringia habilmente o âmbito da questão a uma
simples questão académica, Não senhor, não votei em branco, mas se o tivesse
feito estaria tanto dentro da lei como se tivesse votado em qualquer das listas
apresentadas ou anulado o voto com a caricatura do presidente, votar em branco,
senhor das perguntas, é um direito sem restrições, que a lei não teve outro
remédio que reconhecer aos eleitores, está lá escrito com todas as letras,
ninguém pode ser perseguido por ter votado em branco, em todo o caso, para sua
tranquilidade, torno a dizer-lhe que não sou dos que votaram em branco, isto foi
um falar por falar, uma hipótese académica, nada mais. Em situação normal, ouvir
uma resposta destas duas ou três vezes não teria especial importância, apenas
demonstraria que umas quantas pessoas neste mundo conhecem a lei em que
vivem e fazem questão de que se saiba, mas ver-se obrigado a escutá-la,
imperturbável, sem mover uma sobrancelha, cem vezes seguidas, mil vezes
seguidas, como uma litania aprendida
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de cor, era mais do que podia suportar a paciência de alguém que, havendo sido
industriado para uma tarefa de tanto melindre, se via incapaz de levá-la a cabo.
Não é portanto de estranhar que a sistemática obstrução dos eleitores tivesse feito
com que alguns dos agentes perdessem o domínio dos nervos e passassem ao
insulto e à agressão, comportamentos estes, aliás, de que nem sempre saíam
bem parados, considerando que actuavam sozinhos para não espantar a caça e
que não era raro que outros eleitores, sobretudo em sítios dos chamados de má
nota, aparecessem, com as consequências que facilmente se imaginam, a
socorrer o ofendido. Os relatórios que os agentes transmitiam à central de
operações eram desalentadoramente magros de conteúdo, nem uma única
pessoa, nem uma só, havia confessado ter votado em branco, algumas delas
faziam-se desentendidas, diziam que outro dia, com mais vagar, falariam, agora
levavam muita pressa, antes que a loja feche, mas os piores de todos eram os
velhos, que o diabo os carregasse, parecia que uma epidemia de surdez os havia
encerrado a todos numa cápsula insonorizada, e quando o agente, com
desconcertante ingenuidade, escrevia a pergunta num papel, os descarados
diziam, ou que tinham partido os óculos, ou que não percebiam a caligrafia, ou
que simplesmente não sabiam ler. Havia outros agentes, no entanto, mais hábeis,
que tinham tomado a ideia da infiltração a sério, no seu significado exacto,
deixavam-se ver pelos bares, pagavam bebidas, emprestavam dinheiro a
jogadores de póquer sem fundos, iam muito aos espectáculos desportivos, em
particular ao futebol e ao basquetebol, que são os que mais se mexem nas
bancadas, metiam conversa com os vizinhos, e, no caso do futebol, se o empate
era daqueles sem golos chamavam-lhe, ó astúcia sublime, com subentendido na
voz, resultado em branco, a ver no que dava. E o que dava era o mesmo que
nada. Mais tarde ou mais cedo sempre acabaria por chegar o momento das
perguntas, Quer dizer-me por favor em que partido votou, Desculpe esta minha
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curiosidade, por acaso não terá votado em branco, e então repetiam-se as
respostas já conhecidas, ora a solo, ora em coro, Eu, que ideia, Nós, que fantasia,
e imediatamente se aduziam as razões legais, com todos os seus artigos e
alíneas, e com tal fluência expostas que parecia que os habitantes da cidade em
idade de votar haviam passado, todos eles, por um curso intensivo sobre leis
eleitorais, tanto nacionais como estrangeiras.
Com o passar dos dias, de um modo ao princípio quase imperceptível, começou a
notar-se que a palavra branco, como algo que se tivesse tornado obsceno ou mal
soante, estava a deixar de ser utilizada, que as pessoas se serviam de rodeios ou
de perífrases para substituí-la. De uma folha de papel branco, por exemplo, dizia-
se que era desprovida de cor, uma toalha que toda a vida tinha sido branca
passou a ser cor de leite, a neve deixou de ser comparada a um manto branco
para tornar-se na maior carga alvacenta dos últimos vinte anos, os estudantes
acabaram com aquilo de dizer que estavam em branco, simplesmente
confessavam que não sabiam nada da matéria, mas o caso mais interessante de
todos foi o súbito desaparecimento da adivinha com que, durante gerações e
gerações, pais, avós, tios e vizinhos supuseram estimular a inteligência e a
capacidade dedutiva das criancinhas, Branco é, galinha o põe, e isto aconteceu
porque as pessoas, recusando-se a pronunciar a palavra, se aperceberam de que
a pergunta era absolutamente disparatada, uma vez que a galinha, qualquer
galinha de qualquer raça, nunca conseguirá, por mais que se esforce, pôr outra
coisa que não sejam ovos. Parecia portanto que os altos destinos políticos
prometidos ao ministro do interior haviam sido truncados à nascença, que a sua
sorte, depois de quase ter tocado o sol, ia ser afogar-se mofinamente no
helesponto, mas uma outra ideia, repentina como o raio que ilumina a noite, fê-lo
levantar-se de novo. Nem tudo estava perdido. Mandou recolher às bases os
agentes adstritos ao trabalho
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de campo, despediu sem contemplação os contratados a prazo, passou um [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]

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